sábado, 3 de março de 2012

Mudança na lei abre polêmica ao alterar punição a "mulas" do tráfico

Conhecido no mundo do tráfico como “pago pra ser pego” e no sistema carcerário por superlotar presídios, personagens do tráfico formiguinha viram polêmica

Aos 15 anos, um rapaz, morador em Primavera do Leste (MT), entrou numa profissão muito comum nos Estados da região de fronteira: virou “mula”. O serviço era ir à Bolívia e comprar pasta base de cocaína. Na volta, a droga vinha distribuída em malas, mochilas e, como no caso do jovem, hoje com 22 anos e preso em Campo Grande, no estômago.

Personagem conhecido no mundo do tráfico como o “pago pra ser pego” e no sistema carcerário de Mato Grosso do Sul por superlotar os presídios, o “mula” é agora protagonista de uma mudança na lei.

Em fevereiro, resolução do Senado oficializou uma nova legislação, já definida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que permite que a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.


Ou seja, em vez de cadeia, a pessoa presa com pequena quantidade de droga pode ser punida com pagamento de multa, prestação de serviços à comunidade e interdição temporária de direitos. Com a publicação, a nova leitura da lei pode retroagir para beneficiar os já presos. A mudança abre polêmica.

“É de-sas-tro-so”, define o juiz federal Odilon de Oliveira. O magistrado sustenta que a legislação, a exemplo da que livrou os usuários de prisão, será um incentivo para o tráfico de drogas. “A pessoa não vai ter mais receio”, enfatiza.

Ele afirma que nos últimos anos o tráfico vem ganhando terreno com incentivos dados pela Justiça. “Primeiro, foi a redução da pena, depois a possibilidade de progressão. Também teve a descriminalização do usuário, que hoje pode usar droga até no meio da rua e o quarto, agora, é exatamente a possibilidade de mudança na pena de prisão”, defende.

Se para o juiz, vai aumentar o exército de pessoas a trabalho dos traficantes, o desembargador Romero Osme Dias Lopes lembra que essas pessoas superlotam os presídios e aumentam os soldados nas facções criminosas.

Entre gramas e tonelada – O desembargador defende a possibilidade de aplicar penas diferenciadas de acordo com o perfil do traficante. “Os juízes vão ter que mudar o seu comportamento em relação à possibilidade de substituir as penas”, afirma.

Ele conta que sempre despertou sua atenção o drama enfrentado pela pessoa que até ser flagrada com a droga tinha bons antecedentes, era ré primária, não pertencia a nenhuma facção criminosa, mas acaba cumprindo pena em presídios.

Nos processos, há preso flagrado com duas gramas de cocaína distribuída em 32 papelotes, que, para o magistrado, é passível de uma pena menor a de quem é flagrado com 400 quilos de maconha, como um caso julgado recentemente.

Da necessidade à futilidade – Quando o assunto é contratar alguém para transportar drogas, o tráfico tem predileção por adolescentes, já resguardados por uma legislação menos severa. A análise é do sargento da PM (Polícia Militar), Maurício Guedes da Silva.

Na rodoviária de Campo Grande, ele flagra a droga que seria distribuída pelos quatro cantos do país. “Vai para Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia”, relata.

Após os flagrantes, os “mulas” dão as mais diversas justificativas, que vão do desemprego a compra de roupas. O consumismo foi a resposta dada por uma garota de 16 anos, flagrada no mês passado com 16 quilos de maconha, levados em uma mala cor de rosa. Os adolescentes também são recrutados do outro lado da fronteira, no Paraguai.

“Tem uns que pedem para ligar para a mãe, outros choram, se desesperam”, relata o sargento. Para alguns, o arrependimento é momentâneo. “Já flagrei um homem com droga que estava solto há quatro dias, depois de cumprir pena por tráfico de drogas”. Na rodoviária, a maior apreensão já feita foram 52 quilos de maconha. Em média, cada “mula” leva 20 quilos da droga.

Vida de mula – Casado, pai de dos filhos e com o terceiro prestes a nascer, o preso de 22 anos que abre a reportagem dá mais detalhe sobre a vida de “mula”.

Da experiência de sete anos no tráfico de drogas, onde galgou a posição de revender cocaína para si mesmo, ou seja, ser dono do próprio negócio, ele é categórico. “A maioria é viciado e faz o transporte para receber droga”, diz.

Ele afirma ter sido uma exceção, ingressando no tráfico formiguinha a troco de pagamento em dinheiro. Na primeira viagem, a pasta base de cocaína foi na mochila. Em outra, engoliu cápsulas e levou 1,3 quilo de cocaína no estômago. Preso ao ser flagrado com uma arma, o jovem fugiu da cadeia e, em Campo Grande, depois de constituir família, se entregou à polícia.

Por Campo Grande News

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